Multa fiscal continua a fazer parte do passivo de empresa incorporada por outra
A responsabilidade tributária da empresa sucessora abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que o fato gerador da empresa tenha ocorrido até a data da sucessão. Com esse entendimento, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recurso especial sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recursos repetitivos), e negou provimento ao pedido da Companhia Müller de Bebidas Ltda., de Minas Gerais.
De acordo com os autos, a Companhia Müller de Bebidas ajuizou ação para obter o reconhecimento do direito de não ter de incluir, na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), as bonificações concedidas a seus clientes, uma vez que não comporiam o real valor da operação mercantil. Pretendia também a declaração de inexistência de relação jurídica que a obrigasse a pagar multa sucessora relativa ao não recolhimento do ICMS sobre operações relativas à circulação econômica de mercadorias.
O juízo monocrático (primeira instância) julgou improcedente o pedido formulado pela Müller, alegando que a legislação estadual, no tocante à inclusão de descontos concedidos, sob condição na base de cálculo do imposto, não teria nada de inconstitucional, pois caberia à empresa provar que as bonificações (modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor da venda) concedidas seriam incondicionais, o que não foi feito. Quanto à cobrança de multa sucessora, a sentença afirmou que a interpretação dada pela companhia não estaria correta, pois a doutrina tem entendido que a sucessora é responsável por todas as obrigações referentes ao período anterior à sucessão por incorporação.
A companhia recorreu da sentença ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que negou provimento às apelações. Desse modo, restou à Müller interpor recurso especial ao STJ, para excluir as multas punitivas aplicadas à empresa incorporada (Indústrias Müller de Bebidas Ltda.). Entretanto, o ministro Luiz Fux, relator do processo, não acolheu seus argumentos: “O STJ tem entendido que a responsabilidade tributária dos sucessores estende-se às multas impostas ao sucedido, seja de natureza moratória ou punitiva, pois integram o patrimônio jurídico-material da sociedade empresarial sucedida”.
Em seu voto, Luiz Fux transcreveu trecho do jurista Sacha Calmon
Navarro, que esclarece a questão: “Na hipótese de sucessão empresarial (fusão,
cisão, incorporação), assim como nos casos de aquisição de fundo de comércio ou
estabelecimento comercial e, principalmente, nas configurações de sucessão por
transformação do tipo societário (sociedade anônima transformando-se em
sociedade por cotas de responsabilidade limitada), entendemos que não há
possibilidade de cogitar o assunto. Nas hipóteses ora versadas, inexiste
sucessão real, mas apenas legal. O sujeito passivo é a pessoa jurídica que
continua total ou parcialmente a existir juridicamente sob outra “roupagem
institucional”. Portanto, a multa fiscal não se transfere, simplesmente
continua a integrar o passivo da empresa que é fusionada, incorporada, dividida
pela cisão, adquirida ou transformada. Se assim não fosse, seria muito fácil
apagar multas pelo simples subterfúgio da alteração do tipo societário”.
Para fechar a questão, o ministro ressaltou que, nesses casos, é imprescindível
estabelecer que a multa transferível é somente aquela que integra o passivo da
pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial ou a que está em discussão
(suspensa). “Assim, se o crédito correspondente à multa fiscal já está
constituído, formalizado, à data da sucessão, o sucessor das sociedades
adquiridas, divididas, incorporadas, fusionadas ou transformadas, naturalmente,
absorve o passivo fiscal existente, inclusive as multas”.
Em relação à controvérsia sobre se os valores das bonificações integram ou não a base de cálculo do ICMS devido pela companhia Müller, a questão não pôde ser conhecida, porque implicaria reexame de provas, o que é vedado pela Súmula n. 7 do Tribunal. “Somente a bonificação incondicional está livre de integrar a base de cálculo do imposto. Ocorre, entretanto, que não se pode afirmar com certeza que as bonificações concedidas pela empresa apelante foram dadas de forma incondicional, ou seja, sem vinculação a qualquer tipo de condição. Nada na documentação trazida pela apelante, efetivamente, demonstra o suposto caráter de incondicionalidade destes benefícios”, concluiu.
Fonte: STJ