Novo Salário Mínimo Afeta Os Salários Informais
FGV mostra que piso oficial tem regulado remunerações menores
A interrupção do aumento real do salário-mínimo em 2011, com a
fácil aprovação pelo governo do novo valor de R$ 545,00 na Câmara dos
Deputados, pode afetar também os salários mais baixos pagos na economia
informal brasileira para trabalhadores no limite da extrema pobreza. Recente
pesquisa do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto
Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que,
desde 2004, a alta do salário-mínimo tem puxado, com a mesma intensidade, o
verdadeiro piso do mercado de trabalho, que são as menores remunerações do
setor informal.
O salário-mínimo saltou de R$ 260,00 em 2004 para R$ 465,00 em 2009. Em termos
reais, já descontada a inflação, o aumento foi de 42%. Os dados de Barbosa
Filho mostram que o salário-base, o ganho médio sem carteira assinada de um
jovem trabalhador negro com primário incompleto e sem experiência profissional,
subiu de R$ 79,00 para R$ 161,00 no mesmo período. Em termos reais, o ganho foi
de 61%. Mas, se a comparação for feita com 2003 (em 2004 houve queda real do
salário-base), a alta é de 47%, próxima da registrada pelo mínimo. O economista
usou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cujos últimos
resultados são de 2009.
"Os pobres pedem aumento quando o mínimo sobe, e acaba funcionando como
uma espécie de indexador", diz Barbosa Filho. Ele acrescenta, porém, que
só esse fator não explica a sincronia entre o salário-mínimo e o salário-base
desde 2004, já que essa relação nem sempre existiu. O seu levantamento mostra,
por exemplo, que, entre 1994 e 2004, o mínimo teve um crescimento real de 70%,
enquanto o piso do setor informal caía 29%.
Dessa forma, o salário-base, que representava 58% do salário-mínimo em 1994,
caiu para 30,5% em 2004. A razão foi a discrepância entre o aumento real do
mínimo e a queda do piso do setor informal. Mas essa tendência inverteu-se
subitamente a partir de 2004, e tanto um como o outro começaram a crescer em
ritmo semelhante. Assim, a proporção entre eles manteve-se parecida, com uma
leve alta: em 2009, o salário-base representava 35% do salário-mínimo. O
salário-mínimo teve crescimento real de 142% de 1994 a 2009, e de 150% até
2010. O salário-base, por sua vez, aumentou apenas 15% de 1994 a 2009, por
causa da queda até 2004.
O economista Samuel Pessôa, da consultoria Tendências, mas também ligado ao
Ibre, acha que o atrelamento entre o piso do setor informal e o salário-mínimo
desde 2004 está ligado ao que chama de "constituição da nossa rede de
bem-estar social". Ele nota que o salário-mínimo está associado a diversos
benefícios previdenciários e sociais, como a Previdência Rural e o Benefício de
Prestação Continuada (BPC), para idosos pobres. Mais recentemente, apesar de
não ligado ao mínimo, a expansão do Bolsa Família ajudou a completar a rede de
segurança para a população mais pobre. "A minha interpretação é que essa
rede ampara o trabalhador mais desfavorecido, e, portanto, eleva o que chamamos
de ‘salário de reserva', isto é, o mínimo que se aceita para trabalhar",
diz Pessôa. A visão de Barbosa Filho é a mesma.
Rendimento de trabalhador menos qualificado acompanha o mínimo
O movimento do salário-base desde o início da década de 1990
sugere que a parte inferior do mercado de trabalho no Brasil sofreu forte
impacto da "revolução tecnológica em prol das pessoas mais
qualificadas". Assim, num primeiro momento, à medida que os postos
ofertados pelas empresas passavam a exigir crescentes níveis de qualificação, a
grande massa de trabalhadores de pouquíssima educação no Brasil sofreu um forte
impacto negativo. Menos demandados como mão de obra, os seus rendimentos não
tiveram condições de acompanhar a alta real do salário-mínimo.
A partir de 2003, porém, a oferta de trabalhadores de baixa qualificação
começou a cair também. Dessa forma, mesmo em relação à menor quantidade de
postos de trabalho deste nível, deve ter havido escassez de trabalhadores, o
que explica por que os rendimentos reais começaram a subir fortemente,
acompanhando os aumentos do mínimo.
O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre), explica que uma das razões para a diminuição da oferta de
trabalhadores de qualificação muito baixa é o aumento da educação da força de
trabalho. Mas tanto ele quanto o economista Samuel Pessôa, da consultoria
Tendências, não acreditam que apenas isso possa ter causado uma reviravolta no
mercado de trabalho dos mais pobres, fazendo com que as piores remunerações no
setor informal passassem a acompanhar a alta acelerada do mínimo a partir de
2004.
Para eles, foi a rede de proteção social montada nos últimos anos que fez com
que muitos trabalhadores de baixíssima qualificação simplesmente abandonassem o
mercado de trabalho, optando por viver de transferências do governo. Barbosa
Filho nota que a participação das pessoas com apenas até a 4ª série do Ensino
Fundamental no total dos trabalhadores brasileiros caiu de 0,7% em 1995 para
0,2% em 2004, e para 0,1% em 2009.
Fonte: Jornal do Comércio