STJ Reconhece o FGTS Como Uma Garantia Para Trabalhadores e Familiares
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é direito de todo
trabalhador e só pode ser retirado em algumas situações. Ele serve para
garantir renda ao trabalhador em caso de demissão e também pode ser usado para
financiar a compra da casa própria ou mesmo para ajudar na hora de catástrofes,
como as ocorridas recentemente no Rio de Janeiro e em São Paulo, devido às
enchentes provocadas pelas chuvas.
Em geral, os valores recebidos a título de FGTS pelo trabalhador não podem ser
penhorados, com uma única exceção: quando a penhora se destina à quitação de
pensão alimentícia. Esse é o entendimento que vem sendo consolidado no Superior
Tribunal de Justiça (STJ). Entendimento extensível ao Programa de Integração
Social (PIS), contribuição social de natureza tributária devida pelas pessoas
jurídicas, com o objetivo de financiar o pagamento do seguro-desemprego e do
abono para os trabalhadores que ganham até dois salários-mínimos.
Essa possibilidade foi muito bem fundamentada pela ministra Eliana Calmon, da Segunda
Turma do STJ, durante o julgamento de um recurso em mandado de segurança
apresentado pela Caixa Econômica Federal. Para ela, “a impenhorabilidade das
contas vinculadas do FGTS e do PIS frente à execução de alimentos deve ser
mitigada pela colisão de princípios, resolvendo-se o conflito para prestigiar
os alimentos, bem de status constitucional, que autoriza, inclusive, a prisão
civil do devedor”. A ministra entende que o princípio da proporcionalidade
autoriza que recaia a penhora sobre os créditos do FGTS e PIS.
A ministra destaca que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a dívida com
alimentos e a controvertida hipótese da prisão do depositário infiel como as
únicas formas de prisão civil por dívida. Isso demonstra, a seu ver, que os
alimentos são bens especiais para nossa Carta Magna e “devem ser satisfeitos
sem restrições de ordem infraconstitucional”. E continua: “Some-se a isso que a
medida se mostra menos drástica do ponto de vista da proporcionalidade, pois a
um só tempo se evita a prisão do devedor e se satisfaz, ainda que
momentaneamente, a prestação dos alimentos, perpetuando a sobrevivência dos
dependentes do trabalhador, devedor dos alimentos aos dependentes
necessitados”.
Além do mais, acrescenta Eliana Calmon, o STJ vem minorando os rigores do rol
de hipóteses que autorizam o levantamento dos saldos das contas vinculadas do
FGTS e do PIS, para considerar que a enumeração constante nas leis que tratam
tanto de um quanto de outro não é taxativa, o que autoriza a interpretação extensiva,
baseada no fim social da norma e nas exigências do bem comum, para abrigar
também restrições à impenhorabilidade legal das contas vinculadas do FGTS e do
PIS para solver dívidas de alimentos.
O Tribunal já vem permitindo o levantamento nos casos em que a casa do
trabalhador participante do fundo foi atingida por vendaval e encontra-se sob
risco de desabamento, nos casos de pessoas com idade avançada em situação de
miserabilidade ou para tratamento de pessoas portadoras de moléstia grave, por
exemplo.
Sob uma outra ótica
Ainda que julgando sob a ótica do direito de família, e não sob aspectos
processuais civis e administrativos, como no caso da Segunda Turma, as Turmas
que apreciam direito privado também têm chegado à mesma conclusão. Em 2002, o
ministro Carlos Alberto Menezes Direito, integrante da Terceira Turma, já
reconhecia a possibilidade de o magistrado, em caso de necessidade, diante de
circunstâncias concretas, determinar o bloqueio da conta relativa ao FGTS para
garantir o pagamento da pensão devida. Igual pensamento foi manifestado pelo
ministro Fernando Gonçalves durante o julgamento de outro recurso na Quarta
Turma, no ano seguinte.
Apenas mais recentemente essa orientação avançou para a aceitação da penhora
sobre esses valores. O desembargador convocado Vasco Della Giustina, da
Terceira Turma, destacou que, nesses casos de execução de alimentos, “há
mitigação do rol taxativo previsto no artigo 20 da Lei n. 8.036/90, dada a
incidência dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade
da pessoa humana”, baseando-se no entendimento das turmas da Primeira Seção.
Aliou essa corrente à pacífica vertente das Turmas da Segunda Seção, de direito
privado, de se admitir o bloqueio da conta relativa ao FGTS para a garantia do
pagamento da obrigação.
A ministra Nancy Andrighi, também da Terceira Turma, chegou a conclusão
semelhante durante o julgamento de um recurso da Caixa. Ela concluiu que a
determinação judicial de levantamento de valores mantidos em conta vinculada do
FGTS para fins de pagamento de débito alimentar em execução de alimentos não se
configura como ato coator apto a ferir direito líquido e certo da recorrente.
Isso porque, embora legítima como terceira interessada para defender a
manutenção e controle das contas vinculadas do FGTS, responsável pelo fiel
cumprimento e observância dos critérios estabelecidos na Lei 8.036/90, não se
verifica, de acordo com a interpretação conferida pela jurisprudência dominante
deste Tribunal, qualquer ilegalidade na decisão, contra a qual a CEF impetrou o
mandado de segurança.
O entendimento foi definitivamente consolidado pelo ministro Massami Uyeda. Ele
assinala que o FGTS foi concebido como substituição da então estabilidade por
um benefício financeiro (inicialmente, concebido como alternativa), tendo a
finalidade de proteger o trabalhador da demissão sem justa causa e na
aposentadoria, bem como os dependentes do titular falecido, mediante a formação
de uma conta vinculada ao contrato de trabalho e um fundo mantido pelo governo
federal.
Explica o ministro que a Lei n. 8.036/90 permite o seu levantamento nos casos
de dispensa sem justa causa e de extinção do contrato de trabalho por tempo
determinado – casos em que o benefício assume o viés indenizatório (já que
visa, em última análise, propiciar ao empregado uma compensação) –, bem como
nas hipóteses de aposentadoria, falecimento, doença grave, construção da sua
moradia, entre outras, casos em que o benefício assume o viés de contribuição
institucional de natureza trabalhista e social. Dessa forma, continua Massami
Uyeda, é claro que, da análise das hipóteses previstas no artigo 20 da Lei n.
8.036/90, é possível avaliar seu caráter exemplificativo, “na medida em que não
se afigura razoável compreender que o rol legal abarque todas as situações
fáticas, com a mesma razão de ser, qual seja, a proteção do trabalhador e de
seus dependentes em determinadas e urgentes circunstâncias da vida que demandem
maior apoio financeiro”.
Para o ministro, deve-se ter em mente, nesse caso, a prevalência do princípio
basilar do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da dignidade da pessoa
humana, assim como o ideal que ensejou a criação do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço e do Programa de Integração Social. Da mesma forma que a ministra
Eliana Calmon, ele reconhece a possibilidade da penhora, pois a prestação dos
alimentos, por envolver a própria subsistência dos dependentes do trabalhador,
deve ser necessariamente atendida, ainda que, para tanto, proceda-se ao
levantamento do FGTS do trabalhador.
Fonte: STJ